quarta-feira, 20 de março de 2013

Decisão do STF: Repartição de competências em matéria de saneamento

Nas duas últimas semanas, o STF (Supremo Tribunal Federal) concluiu julgamentos relacionados à definição da competência para a organização e regulamentação da prestação de serviços públicos de saneamento básico, que tramitavam há mais de dez anos no Tribunal e tinham por objeto normas bnde diferentes Estados da Federação, versando sobre aspectos variados da prestação desses serviços (Adin  2340, Adin 2077 e Adin 1842).

Pela Constituição, compete à União instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive de saneamento básico (artigo 21, XX), e a todos os entes federados promover a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico (artigo 23, IX), além de dever o SUS (Sistema Único de Saúde) participar na formulação da política e da execução das ações de saneamento básico (artigo 200, IV). Não há previsão expressa quanto à competência para legislar sobre a matéria, tampouco para a prestação dos serviços, dependendo a definição a esse respeito da identificação do âmbito de interesse prevalecente em questão.

Em que pese poderem os serviços de saneamento básico, por sua natureza e relação histórica com as questões habitacionais, ser considerados de interesse local, de forma que seriam os Municípios competentes para legislar, organizar e prestar esses serviços (artigo 30, I e V), a problemática possui contornos mais complexos. Tanto é assim, que as discussões no STF giraram em torno da competência para organizar e regulamentar a prestação desses serviços, sob a ótica do interesse como elemento definidor dessa competência.

Na Adin 2340, o STF deparou-se com situação bastante comum, de os serviços de saneamento básico serem no todo ou em parte prestados por empresa integrante da administração indireta dos Estados, mediante contratos de concessão celebrados com os Municípios atendidos. Na ação, impugnava-se lei de Santa Catarina, que estabelecia sanções a serem suportadas pela companhia catarinense prestadora dos serviços em diversos municípios situados no Estado, no caso de interrupção no fornecimento de água potável aos clientes, desde que não motivado pelo inadimplemento destes.

Em 2001, o Plenário do STF, por 6 votos a 5, havia cautelarmente suspendido a eficácia da referida lei, com base no entendimento de que o serviço seria de interesse local e, portanto, de titularidade e competência legislativa do município (CRFB, artigo 30, I), não podendo o Estado dispor sobre a matéria, ainda que o serviço fosse prestado por ente da administração estadual e a este se dirigissem os comandos da lei. Foi o que prevaleceu, ao final, vencido apenas o Ministro Marco Aurélio, que desde o início entendia ser cabível uma lei estadual para regular o assunto, por se referir a uma empresa estadual que serve a uma série de municípios.

Já a Adin 2077 abriu oportunidade de discussão com contornos ligeiramente diferentes, que até chegaram a ser ventilados na Adin 2340, mas não lhe serviram de fundamento final. Dispositivos da CEBA (Constituição do Estado da Bahia), após emenda de 1999, passaram, de um lado, a definir o que se deve considerar serviço público de interesse local, de competência municipal (artigo 59, V), e, de outro, atribuíram ao Estado competência para instituir diretrizes e prestar os serviços de saneamento básico, “sempre que os recursos econômicos ou naturais necessários incluam-se entre seus bens, ou ainda, que necessitem integrar a organização, o planejamento e a execução de interesse comum de mais de um município” (artigo 228, caput). Esta Adin trouxe ao centro dos debates a situação em que a prestação dos serviços afeta mais de um município, cabendo ao STF manifestar-se sobre a opção do legislador por transferir, nesses casos, a competência da matéria para o Estado, como ente responsável pelos interesses em âmbito regional.

A Adin, de 1999, aguardava julgamento sobre o pedido de medida cautelar, suspenso desde 2008. A decisão adotada esta semana suspendeu, até julgamento final, a eficácia dos referidos dispositivos da CEBA: o artigo 59, V, por potencial ofensa à autonomia dos municípios (CRFB, art. 30, I), e o art. 228, caput, por se considerar que a organização e prestação dos serviços de saneamento básico, ainda que ultrapassem o âmbito local, não implicam necessariamente a transferência das competências respectivas para o Estado. Restou vencido o Ministro Marco Aurélio, que concedia a cautelar apenas em relação ao art. 59, V da CEBA.

A discussão que apenas se vislumbrou na Adin 2077 foi em verdade objeto de enfrentamento e decisão definitiva na Adin 1842, que trazia consigo ações conexas e possuía objeto mais amplo, relacionado à constitucionalidade de leis estaduais fluminenses: uma, que instituiu a região metropolitana do Rio de Janeiro, dispondo nesse contexto sobre os serviços de interesse comum; e outra, que estabeleceu regras para a prestação dos serviços públicos de saneamento básico no Estado, afetando a órgãos e entidades estaduais competências relativas à regulação e prestação desses serviços.

O STF decidiu, por ampla maioria, que, na instituição de regiões metropolitanas e assemelhados, em que se integram a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum daqueles que as compõem (CRFB, artigo 25, § 3º), deve ser adotada uma gestão compartilhada dos serviços, com destaque para os de saneamento básico, objeto da Adin. Nos votos dos Ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, consignou-se que o interesse comum não se confunde com uma simples somatória de interesses locais; que compartilhar a gestão não implica uma divisão igualitária de pesos entre os municípios, o Município polo e o Estado instituidor da região; que nenhum dos integrantes do ente regional pode ser excluído dos processos decisórios que nele ocorram, nem pode sozinho definir os rumos de sua gestão. Será constitucional a gestão dos serviços nas regiões metropolitanas se “condicionada ao compartilhamento do poder decisório entre o estado instituidor e os municípios que os integram, sem que se exija uma participação paritária relativamente a qualquer um deles”.
Pelos impactos práticos e estruturais que terá, já que as normas em questão produziram efeitos ao longo de muitos anos, e de maneira a evitar quebra na continuidade da prestação dos serviços na região, a decisão teve seus efeitos modulados, para que só tenha eficácia a partir de 24 meses após a conclusão do julgamento.

Conclusão possível de se tirar, por ora: em princípio, os serviços de saneamento básico são de interesse local, sendo, portanto, de competência municipal. Onde instituída formalmente região que congregue municípios limítrofes, o interesse passa a ser coletivo, devendo a gestão ser compartilhada entre Estado e municípios, sem que prevaleça Estado sobre municípios, ou o conjunto de Municípios sobre o Estado. A tendência, no entanto, agora que mais claro o entendimento do Tribunal sobre os limites de atuação dos entes federados quando da criação de regiões por agrupamento de municípios, parece apontar para a consolidação, na prática dos entes e na jurisprudência do STF, da solução de gestão compartilhada, tal como perfilhada na Adin 1842.

Fonte: Ultima Instância

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